16 maio 2012

MÍDIA, GURGEL E SOUZA AMEAÇAM O ESTADO DE DIREITO - Eduardo Guimarães


A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5.°, inciso LVII, reza que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Esse é um direito constitucional que vale para todos, dos réus no inquérito do mensalão a Carlinhos Cachoeira. Vale para você, leitor, e para aqueles dos quais diverge. Isso se chama democracia.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal de conceder liminar desobrigando Cachoeira de depor na CPMI que leva seu nome é desagradável porque a culpabilidade do contraventor salta aos olhos, mas a garantia de um processo legal justo e a preservação de direitos constitucionais distinguem democracias de ditaduras.

A decisão do ministro do STF Celso de Melo pode retardar os trabalhos da CPMI, mas a argumentação de que novas acusações no processo não são do conhecimento da defesa do contraventor encerra razoabilidade. Que se dê à parte o conhecimento que pede e que o processo siga em frente.

Grave, porém, é a campanha midiática que tem o evidente intento de pressionar o Supremo Tribunal Federal a condenar in limine os envolvidos no inquérito do mensalão. Nesse contexto, a decisão de ontem do STF sinaliza que a Corte pode não deixar que lhe ponham uma “faca no pescoço” – de novo.

A intenção de coagir vai assumindo proporções escandalosas. Recentes matérias na imprensa dando conta de declarações espantosas de dois expoentes do Ministério Público Federal constituem um verdadeiro atentado aos ditames constitucionais relativos ao direito de defesa e ao contraditório.

Roberto Gurgel, procurador-geral da República, cada vez mais enrolado na suspeição quanto ao engavetamento da investigação que gerou a CPMI do Cachoeira, aproveitou-se da gana midiática em pisotear o Estado Democrático de Direito para condenar previamente os envolvidos no inquérito do mensalão e, assim, não ter que dar explicações.

Este blog, desde o primeiro momento, denunciou a ridicularia das explicações de Gurgel no auge da exploração midiática de sua declaração sobre questioná-lo equivaler a medo de amigos dos envolvidos no mensalão. Agora, vai ficando claro que tudo não passou de estratégia desse cavalheiro para não ter que se explicar.

Concomitantemente, outro membro do MPF que já esteve à frente da instituição revela tudo o que há de ditatorial nessa corrente político-partidária para a qual o julgamento dos indiciados no inquérito do mensalão é mera formalidade que até poderia ser ignorada, pois imprensa e oposição já os condenaram.

Antonio Fernando de Souza, o procurador-geral da República anterior e autor da acusação a membros da base aliada do governo federal no inquérito do mensalão, declarou que negar a compra de votos de parlamentares pelo governo Lula seria “atentado à democracia”. E a imprensa fez a festa com essa declaração.

Se a sociedade der crédito a isso, instalar-se-á uma ditadura no Brasil. Direito de defesa, direito a um julgamento justo de uma acusação em que as provas, mesmo nos casos em que existem, estão muito abaixo de ser incontestáveis, é “atentado à democracia”?! Que história é essa?!! Esse senhor criminalizou a divergência e a presunção da inocência, ora!

Atentado à democracia é querer que todos pensem como ele, Souza. Não tenho qualquer certeza sobre culpa ou inocência dos acusados no inquérito do mensalão, mas não admito que o julgamento do caso se transforme em mera formalidade. Essa é uma ameaça a todos.

Souza foi o autor da denúncia. É óbvio que a defenderá com unhas e dentes. Todavia, ao criminalizar quem não aceita as suas conclusões pretende abolir o direito de defesa e o devido processo legal. E mais: levanta suspeitas de que anseia pelo estrelismo, pela exposição laudatória a si na mídia, posando de Catão da República – e estamos vendo onde terminam os catões.

O mais bizarro em tudo isso é que esses dois procuradores que, por razões distintas, querem dispensar o julgamento e condenar previamente os acusados no inquérito do mensalão, só estão podendo fazer isso porque foram nomeados por aquele que a corrente política que integram acusa acima de todos os outros: Lula.

Tanto a mídia quanto a oposição – que acabam sendo a mesma coisa – acusam Lula, aberta ou veladamente, de ser o verdadeiro mentor intelectual do mensalão, ainda que todas as investigações tenham concluído que não teve a menor relação com o caso.

O mínimo de lógica obriga a perguntar como um presidente que quer montar um esquema criminoso nomeia procuradores-gerais da República como Souza e Gurgel. Afinal de contas, o procurador-geral é o único que pode acusar formalmente o presidente da República. Não é por outra razão que Fernando Henrique Cardoso manteve o ex-PGR Geraldo Brindeiro no cargo por oito anos.

Lula nomeou quatro procuradores-gerais e grande parte dos juízes do Supremo Tribunal Federal. Dois desses procuradores comprovam que o ex-presidente não teve medo de nomear escolhidos pela instituição Ministério Público, portanto sem garantia de favorecimento como o que Brindeiro deu a FHC. E ao menos o juiz do STF Joaquim Barbosa, nomeado por Lula, foi implacável no inquérito do mensalão.

Quer dizer que Lula montou um esquema criminoso enquanto nomeava juízes e procuradores independentes? Conversa pra boi dormir, certo?

A sociedade civil deve se levantar contra o que estão fazendo a mídia e esses dois procuradores do Ministério Público. Dizerem que divergir da opinião deles sobre o mensalão atenta contra a democracia é uma bofetada no país. Atentado à democracia é tentarem calar a divergência e colocarem uma faca no pescoço do STF – de novo.


Extraído do Blog da Cidadania

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