10 julho 2012

ABERTA A TEMPORADA DE CAÇA AO PT - Saul Leblon



A propaganda eleitoral está liberada desde o dia 7 de julho. Para a fatia majoritária da população, a campanha municipal de 2012 começa agora. Para os partidos e lideranças, a caminhada vem de antes, desde as refregas na escolha dos candidatos, passando pelas disputas e as sinalizações das alianças, à luta pelo tempo no horário eleitoral gratuito a TV. Nenhuma das decisões se esgota em si mesma. A lógica do poder é espiralada, para acima e para baixo. Uma vitória catalisa as forças do passo seguinte; a derrota aleija e descredencia. O dispositivo midiático conservador arma-se com a faca nos dentes. Sem tempo de TV para afrontar o tsunami do jornalismo isento, nada feito. 

O poder midiático acaba de reafirmar seu peso nas eleições presidenciais mexicanas, constituindo-se em fator decisivo à volta do PRI ao poder. A ação da Televisa - a Globo local- contra López Obrador foi tão inescrupulosa que gerou a maior surpresa do processo eleitoral: o movimento YoSoy132, uma iniciativa estudantil que combinou a força da rede e a da rua, afrontou o poder da Televisa ao criar canais alternativos de debate. 

A disputa pela prefeitura de São Paulo, um dos quatro maiores orçamentos do país, decide o futuro político de José Serra e o de sua ala no PSDB, minguante inclusive em São Paulo: se vencer, o tucano ganha músculos para uma nova tentativa de chegar à Presidência em 2014. Depois de duas derrotas presidenciais para o PT, se perder no próprio ninho, o ex-governador deslizará para uma aposentadoria humilhante, com provável dissolução de sua influencia partidária na própria cidade que pretende usar como trampolim eleitoral pela segunda vez. 

Não são poucos os tucanos que torcem por esse fracasso. A votação de Serra na convenção partidária em março foi o sinal eloquente de uma liderança cada vez mais afeita a dividir do que a somar: esperava-se uma consagração com 80% dos votos; o esquálida apoio de 52% dos delegados soou mais como um aviso prévio do que um cheque em branco; o perfil arestoso e desgastado do político cuja principal vitrine é o elitismo e a cizânia não encontra mais braços dispostos a carregá-lo com entusiasmo. É um flanco de partida oneroso. 

Para o PT a eleição de São Paulo empilha travessias e simbolismos igualmente desafiadores. O partido decidiu cravar aqui um alicerce de renovação audacioso ao optar pelo lançamento de Fernando Haddad, em detrimento de Marta Suplicy. O novo ciclo foi bancado por Lula que fará de São Paulo a moldura de sua volta à política da rua, dispondo-se a jogar nela o cacife de maior cabo eleitoral de hoje e de 2014. Os números evidenciam o peso que o escrutínio paulista assume na vida dos partidos e da política nacional: a campanha de Serra prevê gastos de até R$ 98 milhões; a de Haddad, R$ 90 milhões. Ambos praticamente se equiparam no tempo do horário eleitoral gratuito: 7mi 46 e 7 mi 34, respectivamente. 

Fator decisivo na campanha de um candidato desconhecido, a luta pelos segundos da propaganda gratuita descarregou nos ombros do PT seu ônus de largada: o partido terá que explicar ao eleitor de classe média, justamente o alvo da estratégia de renovação, a aliança com Paulo Maluf, referência de tudo aquilo contra o qual se bateu desde a fundação. O pragmatismo será melhor tolerado se Haddad firmar-se no imaginário da população como o portador de propostas ao mesmo tempo inovadoras e críveis, que devolvam a confiança numa prefeitura realmente disposta a ser o comando de uma cidade a favor da cidadania. E não a mera extensão burocrática do poder do dinheiro como tem sido, com requinte, sob a administração do condomínio Serra/Kassab.

Difícil numa metrópole capitalista como São Paulo? E o que dizer de uma metrópole quase tão grande quanto e ainda por cima vizinha do império americano? A esquerda comanda a Cidade do México desde 1997. E o faz com resultados tão encorajadores que acaba de ser vitoriosa para mais um mandato, com uma vantagem de 44 pontos sobre a direita local. Claro que não será fácil para Haddad e para o PT. Serra não une nem o PSDB, mas sabotar a reeleição de Dilma, em 2014, interessa a todas as facções do conservadorismo que sabem a importância de vencer em São Paulo. A mídia jogará seu peso desequilibrador nesse objetivo com duas alavancas: a cobertura tóxica do julgamento do mensalão e a intriga para estilhaçar a frente progressista, da qual depende a continuidade do governo Dilma, em 2014. 

Uma pequena amostra de como a eleição municipal será instrumentalizada para esse fim foi oferecida pela Folha na entrevista deste domingo com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. O assertivo neto de Miguel Arraes fez duas afirmações de importância jornalística e política incontornáveis: a) disse que nunca mudou de lado e sabe exatamente onde vai estar em 2014; b) afirmou que não é candidato a presidente em 2014 e pretende apoiar a reeleição de Dilma Rousseff. A manchete da Folha foi: 'Eduardo Campos diz que o PT cria mais problema para Dilma do que o PSB'. Pela importância política e pedagógica desse material vale a penar ler os principais trechos da entrevista: 

"Campos diz que PT cria mais problema para Dilma do que o PSB" - Folha de São Paulo, 08 de Julho de 2012 

Folha - Que crise é essa do PSB com o PT?

Eduardo Campos - Não damos dificuldades para o governo Dilma. Significa que nosso partido vai ser satélite do PT? Não é da nossa história, nem da nossa política.

É essa a raiz da discórdia, não querer ser satélite do PT?

O que tem Fortaleza a ver com Belo Horizonte? São Paulo a ver com Recife? O PSB agora virar inimigo oculto do PT chega a ser ridículo. Ser colocado como inimigo número um e a gente ver históricos adversários virarem amigos de sempre. Está errado.

O senhor está falando de Paulo Maluf [que se aliou ao PT em São Paulo]?

Estou falando de muitos outros, não só do Maluf. Você vê em Curitiba: Gustavo Fruet [ex-tucano e ex-deputado de oposição] virar o melhor amigo do PT, e o PSB virar o inimigo? Nós não vamos fazer o jogo de alguns, que querem afastar de Dilma aqueles que têm mais identidade com o governo dela.

O sr. está falando do ex-ministro José Dirceu?

De todos. Se estiver nisso, falo dele também. A história que nos trouxe até aqui não deve colocar dúvida na cabeça do presidente Lula, nem na minha, nem na da presidente Dilma sobre a qualidade da relação que temos.

Mas chegou perto, né? Ele chegou a ter essa dúvida...

Vamos ter que ter paciência para esperar a história daqui pra frente. Quem viver 2014, verá. Porque eu já vi muita gente ser subserviente, agradável, solidária em meio de mandato e, quando bate a primeira crise, muda imediatamente de lado. Como nunca mudamos de lado, eu sei onde vou estar em 2014.

Onde?

Do lado que sempre estive. Acho que o PSB deve em 2014 apoiar Dilma para se reeleger presidente.

O sr. não será candidato...

E quem disse que eu seria?

Seus correligionários...

Toda vez que fui candidato, eu disse que era candidato. Ser candidato contra Dilma só porque eu quero ser? Ela está na Presidência e tem a prerrogativa da reeleição. Para a reeleição de Dilma, o problema não somos nós.

Qual é o problema?

O próprio partido dela [o PT] cria mais problema para ela do que o PSB. No sentido que vocês noticiam e no sentido de tentar tirar de perto dela quem pode ajudá-la.

Se a economia erodir a popularidade da Dilma e Lula não for candidato, o sr. sai para a Presidência?

Não trabalho com essa hipótese. Temos debates muito mais importantes do que [debater] quem será prefeito dessa ou daquela cidade.

O que está em jogo é o ciclo de expansão econômica com inclusão social. O consumo ainda pode dar algum resultado, mas chegou a hora de fazermos um grande esforço para alavancar investimentos públicos e privados. Essa que é a pauta brasileira, não essa futrica.

O PSB está avançando nos Estados, no Congresso. Vocês pedirão a vice do PT em 2014?

Nunca fizemos isso. Agora mesmo, em São Paulo, o PT escolheu a [deputada Luiza] Erundina [do PSB, para vice do petista Fernando Haddad]. Lula buscou um quadro da minha geração, o Haddad. Se fôssemos o inimigo número um do PT, não teríamos sido os primeiros a apoiá-lo. Colocamos a vice que o PT entendia que era a que mais ajudava, a Erundina.

Ela não ajudou muito...

Quando ela saiu, liberamos Haddad para escolher o nome que quisesse. Foi isso que fizemos com largueza de coração.

Com tanta frustração, o que o segura ao lado do PT?

Não vou sair desse itinerário. Temos uma frente política construída há muitos anos, que ajudou o Brasil a melhorar. Claro que minha relação com o presidente Lula, que eu conheci ainda menino, a ajuda que ele me deu e a meu Estado eu prezo muito.

O PT diz que o senhor é uma espécie de monstro criado por Lula, que o ajudou muito com recursos.

Pago preço do ciúme que muitos têm. Mas Lula sabe também que conta conosco. Em 1989, [o avô de Campos, Miguel] Arraes era governador de Pernambuco, tendo voltado de 16 anos do exílio, e o PT gritava na porta do palácio: "Arraes, caduco, Pinochet de Pernambuco". Mas isso não impediu meu avô de abraçar a primeira eleição de Lula, porque nós não fazemos política tendo como referência a guerra de espaço, de aparelhar, de ter uma garrafa a mais [no governo]. Nossa referência na política é o interesse do povo e do país.

O PT aparelha?

Não. Estou dizendo que somos diferentes, formas diferentes de pensar, ver o mundo. Você não pode imaginar que o Brasil deste tamanho vai ter um partido único, que vai ser dono da verdade, dono do poder, dos 5.000 municípios, dos 27 Estados, do Brasil, por um século. Você não pode imaginar que esse seja o projeto do povo brasileiro. É bom que tenha alternância de poder. É importante ter a perspectiva do contraditório.

Em 2014 serão 12 anos de PT no poder. É muito?

Acho que dá para ter 16. Eu só, não. A sociedade também está achando. Como o PSDB está em São Paulo há 16 anos.

E está bom 16 anos de PSDB em São Paulo?

O povo achou que sim.

Dá para ter 20 anos de PT?

Vinte? Há um ciclo que vai se abrir no Brasil depois de 2014. É um ciclo até geracional, tanto na oposição quanto no campo do governo. Agora, atropelar isso em nome de projeto pessoal não é uma coisa correta. Dilma está presidente da República sem nunca ter pedido para ser candidata.

A base aliada reclama de Dilma. O senhor faz algum reparo ao estilo dela?

Ela tem a base muito ampla. Acho que não há dificuldade insuperável. Vamos ajudá-la a proteger o Brasil da crise. Não podemos permitir que joguem a presidente nesse debate da eleição municipal.

Mas ela entrou na articulação de Belo Horizonte.

Em BH eu compreendo, da mesma forma que ela compreende minha articulação aqui em Recife. Precisamos dar força a ela para o governo ganhar [na economia] o ano de 2012. Dilma não tem por que jogar carga ao mar.

É um pedido para ela não ajudar Humberto Costa [candidato petista de Recife]?

Não. Tem coisas que não se pede, eu sei que ela é justa.

Extraído do sítio Carta Maior

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